Educação
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Por — Rio

Com uma baqueta para bumbo sendo feita de microfone de mentirinha, a estudante Ana Tinaele Pereira Sousa, de 17 anos, aparece na tela logo depois da famosa vinheta da TV Globo de notícias urgentes. Séria, ela informa: “Morre hoje uma aluna identificada como Rayssa. Alunos afirmam que a causa da sua morte foi o excesso de calor na escola”. As imagens mostram uma jovem deitada com carteiras em volta que, cobertas de um pano verde, imitam um caixão no chão da escola, no interior do Tocantins.

O vídeo, que viralizou nas redes na última semana, denuncia com bom humor o despreparo das escolas brasileiras para o estresse térmico, condição em que o calor é superior ao que o corpo humano pode suportar por pelo menos 25 dias no ano, um fenômeno que já atinge áreas onde vivem 38 milhões de brasileiros. E, nesse cenário, sete em cada dez salas de aula de unidades municipais e estaduais no país não são climatizadas, segundo o Censo Escolar de 2022.

— Essa foi uma ideia que surgiu do nada, em tom de brincadeira, mas querendo trazer esse assunto. A situação da nossa escola está bem precária. Ela foi construída em 1997 e, desde então, só teve ventiladores. Tem salas em que eles nem funcionam mais — conta Ana , aluna do Colégio Estadual Vicente José Vieira, em Barro do Ouro, Tocantins.

Entre as sete maiores cidades brasileiras que já vivem em estresse térmico (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza, Manaus, Belém e Goiânia), somente três — as capitais fluminense, pernambucana e amazonense — possuem mais da metade das salas climatizadas.

Nas últimas duas semanas, o Brasil chegou a registrar temperatura de 43,5°C, em São Romão (MG), onde nenhuma sala de aula é climatizada. Professores e alunos vêm buscando soluções improvisadas. No Amazonas, estudantes de São Paulo de Olivença foram ter aula no quintal. Em Goiás, jovens levaram seu próprio ventilador para a sala de aula em Aparecida de Goiânia para se refrescarem. Escolas de Minas Gerais e do Piauí diminuíram o tempo de aula nos dias mais quentes. Já em Mogi Mirim, no interior de São Paulo, Flávia Alvarenga não mandou o filho para a escola um dia por causa do calor — na véspera, uma colega dele passou mal.

— O ventilador está quebrado e só fica parado para um lado. Então, tem briga dos alunos para ver quem vai sentar no vento — diz Alvarenga.

Alguns profissionais da educação encontraram uma solução na base da farra. Cerca de 700 crianças participaram de um “recreio molhado” em duas escolas de São João do Caiuá, no Paraná. Em Brasília, a Escola Classe 106 Norte criou um banho de mangueira para as turmas. A ideia partiu da direção, que conversou com os pais. Com o sucesso, pequenas piscinas foram compradas também.

— O calor excessivo acaba interferindo nas atividades, então esse tipo de medida representa a escola cumprindo sua função de pensar em estratégias para contornar os obstáculos entre os estudantes e o processo de ensino-aprendizagem — conta Laryssa Lima, professora da Escola Classe 106 Norte. — As crianças têm o cronograma na ponta da língua. Sabem exatamente os dias e horários e já vêm prontinhos para a experiência.

De acordo com definição do Inep, responsável pelo Censo, entende-se como salas de aula climatizadas aquelas que possuem equipamentos (ar-condicionado, aquecedor ou climatizador) em funcionamento para manter a temperatura agradável. As duas maiores redes estaduais são as que têm os menores índices de climatização: São Paulo, com 10% das salas, e Minas Gerais, com 8%. Já a rede de Rondônia (uma das menores do país) conta com 85% das salas climatizadas. O índice do Rio é de 43% e o governo diz que já comprou aparelhos de ar-condicionado para 983 escolas e que só faltam mais 250, em estudo.

Em Diadema, só ventilador

No país, 225 cidades têm pelo menos 95% das salas com ar-condicionado, enquanto 764 cidades não têm ar-condicionado em nenhuma escola. A maior nessa situação é Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo, com quase 1,5 mil salas de aula, somando as redes estadual e municipal.

Pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) mediram durante um ano a variação térmica de escolas em Minas Gerais e descobriram que os maiores problemas de falta de atenção dos alunos se davam justamente em períodos muito quentes ou muito frios.

— Situação de desconforto físico faz com que o corpo não mantenha o foco no que está sendo passado em sala de aula. Se tira o aluno da zona de bem-estar, os níveis de atenção fatalmente decaem — diz Caio Marçal, doutorando na Faculdade de Educação da USP.

Em nota, a prefeitura de Diadema informou que as escolas são ventiladas com ventiladores, “equipamentos adequados às necessidades das unidades escolares quando se considera o clima regional”. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo informou que destinou R$ 70 milhões para a compra de aparelhos de ar-condicionado para as escolas, e que R$ 50 milhões já foram liberados para 210 unidades. O governo do Tocantins afirmou que estuda a redução do tempo de aula em cada escola.

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