SÃO PAULO — Um dos principais grupos responsáveis pela vitória de Jair Bolsonaro nas urnas, os evangélicos adotam cautela em relação à retórica em defesa das armas , bandeira levantada desde a campanha e que o presidente promete começar a tirar do papel a partir desta semana. Embora já relativizem e apoiem o decreto que Bolsonaro deve publicar nos próximos dias para flexibilizar a posse de armas de moradores de cidades violentas e áreas rurais, lideranças temem o passo seguinte já anunciado pelo presidente: a facilitação do porte, a autorização para que uma pessoa habilitada possa andar armada nas ruas.
A defesa da proposta foi feita pelo presidente em sua primeira entrevista, no último dia 3. No Congresso, um dos projetos mais adiantados nesse sentido é o PL 3722 / 2012, de autoria do deputado Peninha Mendonça, do MDB. Para aprová-lo é preciso maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado.
O bispo Robson Rodovalho, líder da igreja Sara Nossa Terra, se diz favorável à posse de armas, especialmente em áreas rurais, onde considera que as autoridades de segurança são menos presentes. No entanto, teme pelo risco de conflitos nas ruas com a hipótese deliberação do porte.
— O porte é desnecessário. Creio que o dano causado à sociedade seja maior com todo mundo armado num faroeste. Não queremos bangue-bangue — afirma Rodovalho.
Integrante da bancada evangélica da Câmara, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), reconhece o quão sensível é a questão do porte de armas entre os evangélicos:
— A maioria dos evangélicos não quer ter armas. Defendemos a vida. A gente sabe que isso vai provocar mortes em discussões de trânsito, em bar, assim como uma maior incidência de casos de violência como ocorrem nos Estados Unidos — afirma o deputado, em referência a episódios em que atiradores fazem vítimas. — A nossa defesa é a Deus e, depois, estão as instituições terrenais de segurança pública. Uma coisa é a posse dentro da casa, outra coisa é o porte — completa.
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e influente no entorno de Bolsonaro, diz não ser simpático à ideia, mas reconhece que há apoio entre fiéis:
— Eu pessoalmente sou contra armas e qualquer tipo de armamento.
Senador eleito, Arolde de Oliveira (PSD-RJ) se diz favorável ao armamento, mas tem receio sobre os efeitos porte de armas:
— Se você é a favor da vida, da família, da propriedade, precisa ter condições de autodefesa e a posse é necessária. O porte já é mais complexo. Teria que fazer testes para evitar que o armamento chegue nas mãos de psicopatas e malucos — afirma Oliveira, representante evangélico no Senado.
As arestas com Bolsonaro no quesito armas já ocorrem desde a campanha, quando lideranças chegaram a pedir moderação do discurso bélico do então candidato. O bispo Samuel Ferreira, presidente da Assembleia de Deus de Madureira, foi um dos religiosos que manifestaram essa preocupação, segundo pessoas próximas.
Alguns apoios
Apesar de a maioria das lideranças evangélicas ter restrições ao porte de armas, a ideia encontra acolhida entre alguns integrantes do segmento. Presidente da Convenção da Assembleia de Deus no Brasil(CADB) e líder da Igreja-Mãe, em Belém do Pará, Samuel Câmara, admite a possibilidade do porte:
— O estado precisa se mostrar eficiente no combate aos bandidos. Caso contrário, o homem de bem terá que se habilitar ao porte para legítima defesa.
Também integrante da bancada evangélica, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO) crê que a autorização para porte e posse de arma pode contribuir para a melhora da sensação de segurança.
— Hoje você proíbe as pessoas de bem de terem armas, mas o bandido está armado. É claro que é preciso de critérios claros e justificáveis para conceder a licença — afirma o deputado, frequentador da Assembleia de Deus.
Até o momento, as ressalvas da maior parte das lideranças evangélicas ao porte de armas não foram suficientes para abalar a forte ligação da bancada com Bolsonaro. Os evangélicos foram importantes para a vitória do candidato do PSL. Quanto maior o percentual de evangélicos nos municípios brasileiros, maior foi a votação de Bolsonaro. Nas 32 cidades com maioria da população desse grupo, ele recebeu 74,26% dos votos. O próprio candidato do PT, Fernando Haddad, reconheceu que perdeu, em parte, por falta de apoio entre os evangélicos.
Embora o tema do porte de armas possa ser um ponto de atrito, as afinidades entre Bolsonaro e os evangélicos são grandes. No campo comportamental, eles têm apoio do governo e dão como certa a aprovação de pautas consideradas polêmicas, como o Estatuto da Família (segundo o qual a formação de família se dá pelas figuras de pai e mãe).
População resiste
O debate sobre a posse e o porte de armas no governo e no meio evangélico acontece na direção contrária do que parece ser a opinião da maioria dos brasileiros. De acordo com pesquisa Datafolha, divulgada no fim de dezembro, 61% dos brasileiros são contrários à liberação da posse de armas de fogo. Mas Bolsonaro se mantém fiel à promessa de campanha em oposição ao Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003. O objetivo era a criação de um instrumento que diminuísse o número de armas em circulação e ajudasse na redução dos registros de mortes por armas de fogo. O estatuto restringe a venda e o porte de armas no país.
Colaborou Dimitrius Dantas