Aldeia queimada e menina estuprada: o que se sabe sobre crimes na Terra Indígena Yanomami
No último dia 25 de abril, uma grave denúncia na Terra Indígena Yanomami desencadeou uma série de questionamentos e apuração da Polícia Federal: o relato é o de que uma menina ianomâmi, de 12 anos, morreu após ser estuprada por garimpeiros que exploram ilegalmente a região. Durante as buscas, a comunidade foi encontrada queimada e não havia ninguém.
O caso ganhou repercussão nacional e tem mobilizado lideranças indígenas, autoridades, políticos, artistas e influencers que demonstraram apoio à causa repercutindo a situação nas redes sociais com a hashtag: "CADÊ OS YANOMAMI".
Depois da denúncia, feita pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, a Polícia Federal foi até a comunidade Aracaçá, onde a menina morava, mas não encontrou indícios de crime. O caso segue em investigação.
LEIA MAIS
Artistas
Entre artistas mobilizados com o "CADÊ OS YANOMAMI", estão o comediante Whindersson Nunes, o DJ Alok e a líder indígena Thyara Pataxó.
Whindersson Nunes lamenta a situação no Twitter — Foto: Reprodução/Twitter
Alok questionou no Twitter onde estão os indígenas — Foto: Reprodução/Twitter
A líder indígena Thyara Pataxó aderiu à campanha online — Foto: Reprodução/Twitter

Comunidade Yanomami onde houve relato de menina morta é encontrada queimada
Nesta reportagem, o g1 reúne as perguntas e respostas para entender o que se sabe e o que falta esclarecer sobre o caso:
1. O que aconteceu na comunidade, segundo a denúncia?
Na noite do dia 25 de abril, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, divulgou um vídeo dizendo que uma menina de 12 anos havia sido estuprada e morta durante um ataque de garimpeiros. (Assista abaixo)

Menina ianomâmi é estuprada e morta por garimpeiros, afirma liderança
Na mesma ação, uma tia, segundo ele, tentou salvar a menina. Na confusão, uma criança, filha dessa tia, caiu no rio e desapareceu. O relato de Hekurari, com base em informações recebidas por ele via rádio de pessoas da região, foi comunicado por meio de ofício para o Ministério Público Federal, Funai e Polícia Federal na manhã seguinte, dia 26.
A menina, conforme o Condisi-YY, vivia na comunidade Aracaçá, região de Waikás, onde há forte presença de garimpeiros e registrou o maior avanço de exploração ilegal, de acordo com o relatório "Yanomami sob ataque", da Hutukara Associação Yanomami (HAY).
Em Aracaçá, viviam cerca de 30 indígenas. De difícil acesso, leva-se cerca de 1h15 de voo saindo de Boa Vista até Waikás. Para chegar até a comunidade Aracaçá, são mais 30 minutos de helicóptero ou cinco horas de barco pelo rio Uraricoera.
Nesta sexta (6), Júnior Hekurari informou que os indígenas foram localizados longe de Aracaçá, alguns deles acompanhados de garimpeiros.
2. Como estão as investigações?
A Polícia Federal e o MPF investigam o caso. Dois dias após o relato divulgado pelo Condisi-YY, uma comitiva com representantes desses órgãos e também da Funai foi até Waikás e Aracaçá.
Em nota conjunta divulgada na tarde de quinta (28), quando retornaram, eles afirmaram não ter encontrado nenhum vestígio de crime de homicídio e estupro. Também disseram não haver indícios da morte de outra criança que teria desaparecido em um rio.
Porém, informaram que seguem com a apuração porque as "diligências demonstraram a necessidade de aprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos."
Na ida à região, o grupo desceu em dois locais: em Waikás e Aracaçá, que ficam próximos (veja mapa abaixo).
Hekurari, que também estava na comitiva, relatou que, em Waikás, o helicóptero que os levava pousou em um espaço usado por garimpeiros. Lá, encontraram alguns indígenas - cerca de 7 pessoas - que não quiseram falar muito sobre o caso.
No outro dia, já em Aracaçá, as equipes, segundo Hekurari, não encontraram indígenas e uma das casas estava queimada. Além disso, a comunidade estava completamente vazia, sem ninguém. Um vídeo divulgado por Hekurari mostrou como estava a localidade quando ele a comitiva chegou (assista no início desta reportagem).
Há a suspeita de pressão por parte de garimpeiros. Antes da chegada da PF em Aracaçá, circularam vídeos nas redes sociais que mostram um garimpeiro não identificado questionando indígenas da comunidade sobre a veracidade das denúncias divulgadas pelo Condisi-YY.
Além disso, no mesmo dia em que a PF foi à região, um representante dos garimpeiros divulgou um áudio falando que a "paciência acabou" e que "vão responder igual" acerca de denúncias contra eles.
Comunidade de Aracaçá, na região de Waikás
3. Quem queimou a comunidade?
Cabana queimada em Aracaçá, Terra Yanomami — Foto: Condisi-YY/Divulgação
"A comunidade estava queimada e não tinha ninguém. Ninguém", disse Hekurari. Nesta segunda-feira (2), receoso, ele disse não retornaria ao local porque seria "perigoso".
Até o momento, não se sabe quem queimou o local. Há uma suspeita de que possam ter sido garimpeiros. No entanto, também podem ter sido os próprios indígenas.
Em uma nota divulgada na manhã de sexta-feira (29), o Condisi-YY informou que é costume, "após a morte de um ente querido", a comunidade onde ele vivia ser queimada e todos irem para outro local.
Na nota, o presidente do Condisi-YY reafirmou o que foi dito ao g1 sobre a suspeita de que os indígenas foram instruídos pelos garimpeiros a não falar nada.
"Percebe-se, através dos vídeos que esses indígenas, foram coagidos e instruídos a não relatar qualquer ocorrência que tenha acontecido na Região, dificultando a investigação da Polícia Federal e Ministério Público Federal, que acabaram relatando não haver qualquer indício de estupro ou desaparecimento de criança", diz trecho da nota.
Para Hekurari, as investigações sobre o caso devem, sim, continuar, pois os "ianomâmi foram bem orientados [possivelmente pelos garimpeiros]".
A nota do Condisi-YY cita, ainda, outra suspeita: a de que indígenas receberam para não falarem nada.
"Após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 5 g de ouro dos garimpeiros para manter o silêncio".
4. Ministros do STF cobram apuração

Ministros do STF cobram apuração de estupro e morte de menina Yanomami
Durante a sessão da última quinta-feira (28), a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrou a investigação e o esclarecimento das circunstâncias da denúncia sobre a morte da menina ianomâmi.
Em discurso, a magistrada afirmou que as mulheres brasileiras, entre elas as indígenas, são vítimas de "descalabro de desumanidades". O presidente o STF, Luiz Fux, classificou o caso como "gravíssimo".
A ministra disse que as mulheres têm sido alvo de "crueldade letal" e que esses crimes não podem virar apenas estatísticas.
"Essa perversidade, acho, senhor presidente, é a minha palavra, não pode permanecer como dados estatísticos, como fatos normais da vida. Não são. Nem podem permanecer como notícias”, disse a ministra.
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que o Ministério Público investiga o caso e que todas as medidas estão sendo tomadas para garantir os esclarecimentos dos fatos. Lindôra afirmou que se solidariza com as palavras da ministra e que ficou sensibilizada.
“Foi assustador. Ainda mais se tratando de uma criança, o que nos deixa mais chocados”, disse.
5. Comissão de Direitos Humanos do Senado acompanha
Com a repercussão do caso, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal decidiu formar um grupo para acompanhar em Roraima as medidas de combate ao avanço do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. A previsão é que a visita ocorra no próximo dia 12.
O requerimento, de autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), afirma que é "obrigação" da CDH tomar providências contra esta "mazela que está matando os Yanomami", e que o "Estado brasileiro ainda é omisso e está deixando a comunidade Yanomami desaparecer".
Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.