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Por g1 PE e TV Globo


Tragédia das chuvas deixou 133 mortos em Pernambuco

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Tragédia das chuvas deixou 133 mortos em Pernambuco

O dia 28 de maio se tornou uma data lembrada com dor por milhares de pessoas em Pernambuco. Em 2022, o estado enfrentou o seu maior desastre ambiental por causa das fortes chuvas (veja vídeo acima). Dois anos após a tragédia, que deixou 133 mortos, 2.099 pessoas ainda não conseguiram voltar para casa e recebem auxílio-moradia, segundo levantamento da TV Globo com as prefeituras das cidades atingidas.

As mortes aconteceram entre os dias 25 de maio e 7 de junho de 2022. A maior parte das pessoas que morreram moravam no Grande Recife, próximo a áreas de barreiras. Em todo o estado, a cidade mais afetada foi Jaboatão dos Guararapes, com 64 mortos. A comunidade de Jardim Monte Verde foi a que mais registrou mortes: mais de 20 pessoas morreram, 17 na mesma rua.

Ao todo, o desastre afetou mais de 120 mil pessoas no estado. Entre deslizamentos de barreiras, enchentes, casas levadas pela lama e bens arrastados pela água, famílias guardam o trauma e ainda tentam reconstruir tudo o que foi perdido.

Casa em Goiana ficou quase submersa durante chuvas em Pernambuco — Foto: Reprodução/TV Globo

Casa em Goiana ficou quase submersa durante chuvas em Pernambuco — Foto: Reprodução/TV Globo

Jaboatão dos Guararapes

A comunidade do Engenho Santana, em Jaboatão, ficou isolada e sem energia elétrica por dias depois que a ponte sobre o Rio Jaboatão foi levada pela enxurrada. Os moradores precisaram usar uma caixa d'água e uma balsa improvisada para atravessar doações pelo rio. Foram quase dois anos esperando a ponte ser reconstruída.

“A gente ficou isolado. Eu e a família todinha do outro lado. Neto, filho, esposa. A gente não tinha condição de passar. [...] Apareceu uma caixa d’água que os meninos botavam e atravessava. [...] Aqui tinha um cabo de aço amarrado nessa mangueira para o outro lado e ele ‘torou' duas vezes com a enchente do rio”, contou o agricultor Israel José da Silva.

Em meio ao caos, faltava água potável porque a enxurrada contaminou um poço que as pessoas da comunidade utilizavam.

“A gente ficou isolado. Não tinha como tomar água, nem tomar banho, nem dar água às crianças, nem fazer nada. A gente tinha uma cacimba ali, mas a cacimba ficou inútil porque entrou água da cheia”, disse a dona de casa Joseane Josefa do Nascimento.

Na Zona da Mata Norte de Pernambuco, várias casas ficaram alagadas pela enchente do Rio Capibaribe Mirim, que corta o município de Goiana. Dois anos depois, ainda há moradores que não recuperaram o que perdeu. Foi o caso de Ana Karenine Fernandes, dona de casa que estava grávida na época da tragédia.

“Eu estava na casa da minha irmã, quando meu companheiro ligou [dizendo]: ‘Ana, vem embora que deu cheia aqui em casa’. Eu saí desesperada de lá. Quando eu cheguei aqui, tinha um bocado de carro ali na frente. [...] A água já estava aqui em cima”, lembrou Ana apontando para a parede, na altura de seu peito.

“Eu fiquei tremendo de nervosa, chorei muito. Perdi tudo, Móvel, tudo. Meus filhos ficaram em pânico”, afirmou Ana.

A cheia do Capibaribe Mirim também deixou marcas no município de Macaparana, na Zona da Mata. A trabalhadora rural Marcela da Silva Delfino estava grávida quando a água invadiu a casa onde ela morava e teve todo o enxoval do bebê carregado pela enxurrada.

“Eu só fazia chorar, porque eu ficava imaginando meu menino. Ficava abalada pensando: ‘será que eu vou perder meu menino por causa disso?’ [...] Os sapatinhos todinhos [foram arrastados]. Quando eu vi tudo indo na água, eu chorei tanto, chorei tanto”, disse Marcela.

As roupas dela também se perderam no meio da cheia de 2022.

“A gente ficou em estado de choque. Eu mesma não sabia nem o que fazer porque eu perdi tudo, inclusive roupa. Eu cheguei na prefeitura de cueca box e uma blusa de homem porque minhas roupas foram embora tudo pela enchente. O que deu para salvar foram os documentos porque eu corri e trouxe tudo para a casa da minha tia”, contou Marcela.

‘O trauma é uma ferida na memória’

Além das vidas, das casas e dos bens perdidos em um desastre natural, os sobreviventes ainda precisam lidar com a dor das memórias. Segundo o doutor em neuropsiquiatria Spencer Hartmann Junior, o estresse pós-traumático é o transtorno mais frequente em quem passa por uma experiência desse tipo, mas não é o único.

A pessoa desenvolve transtorno do estresse pós-traumático, mas ela desenvolve também depressão. Ela pode desenvolver uma fobia social, um transtorno do pânico - que é muito comum. No caso do transtorno do estresse pós-traumático, o sintoma mais prevalente é a experienciação”, explicou o especialista.

Segundo o neurocientista, as pessoas que retornaram para as casas onde viviam quando a tragédia aconteceu podem sofrer ainda mais com o trauma sempre que as condições lembrarem o dia do desastre.

“Você pega esse mesmo grupo de pessoas, os afetados, reconduz para o mesmo lugar, sob as mesmas condições precárias, potencialmente de risco iminente. Elas escutam uma gotícula de água caindo no telhado, imediatamente vão fazer uma associação pelo efeito que elas têm ali armazenados na memória, porque o trauma é uma ferida na memória”.

Defesa Civil

Em entrevista ao Bom Dia PE desta terça-feira (28), o secretário executivo de Proteção e Defesa Civil de Pernambuco, Clóvis Ramalho, afirmou que o governo estadual tem orientado as prefeituras a criarem planos de contingência para áreas de risco em caso de desastres provocados pelas chuvas. Em 17 de maio, ocorreu uma simulação de deslizamento de barreira em Jardim Monte Verde.

“A gente executa ações não estruturantes, trabalha junto às defesas civis de todos os municípios nas suas preparações para as estações chuvosas, com ações que começaram desde o começo do ano, visitando cada um dos municípios, levando orientações e informações”, declarou Clóvis Ramalho.

Ainda de acordo com ele, quase 1 milhão de pessoas moram em áreas de morro ou com risco de inundação no estado e nove cidades serão atendidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Encostas, com investimento de mais de R$ 100 milhões em obras de contenção e drenagem. No entanto, Jardim Monte Verde ainda aguarda por obras de urbanização e contenção de encostas.

“Um dos trabalhos muito fortes do estado foi o mapeamento de áreas de risco, atualizando todas as áreas que já tinham sido trabalhadas pelo serviço geológico do Brasil. Esse trabalho foi feito em 30 municípios em pouco menos de um ano [...] Lá em Jardim Monte Verde foi licitado e vai iniciar uma obra, na ordem de R$ 50 milhões”, disse.

Moradores de Jardim Monte Verde cobram obras

Moradores de Jardim Monte Verde cobram obras de reparo e prevenção de novos desastres — Foto: TV Globo

Nesta terça-feira (28), moradores de Jardim Monte Verde protestaram e cobraram as obras de reparos e contenção das encostas, que foram anunciadas pelo governo estadual em setembro de 2023.

Uma mulher identificada como Rosemere contou, em entrevista à TV Globo, que era aniversário de sua filha no dia em que a barreira desabou. Dois anos depois, o trauma do dia ainda não deixa espaço para comemorações.

“Eu tirei minhas filhas de casa e com 25 minutos a barreira veio e derrubou tudo. Hoje a gente vê nada sendo feito. A gente vê dois anos de revolta, de dor, de sofrimento. Na igreja que eu fazia parte, eu perdi quatro pessoas, e hoje eu vejo que nada é feito. Só tem mato onde a minha filha morava”, contou.

Os moradores fixaram 48 balões em formato de coração no chão, para lembrar as vidas perdidas na comunidade. A mobilização foi feita em uma via conhecida como Rua da Capela, onde 17 pessoas morreram.

“Tem crianças aqui que poderiam estar correndo, brincando e perderam suas vidas por causa do poder público”, disse outra mulher chamada Érica.

Laços de solidariedade

Mesmo depois de dois anos, ainda há moradores que dependem das doações para seguir em frente. E, no meio de tanta dor, a tragédia causada pela chuva em Jardim Monte Vida fez crescer uma rede solidária que perdura até hoje.

Um exemplo disso é o projeto social que toda semana distribui sopa e canja para 200 moradores da comunidade. Os pratos são feitos com ingredientes doados pela própria vizinhança.

"O povo realmente é solidário. É pobre ajudando pobre. E isso é que é bonito. As pessoas estão tendo mais amor, estão se doando mais. Isso aí é muito lindo", declarou Dalva Damares, que preside o Conselho de Moradores de Jardim Monte Verde e coordena a iniciativa.

O ato de ajudar pode parecer simples, mas faz muita diferença para as famílias beneficiadas. "Como é importante... A canja é uma delícia", afirmou a dona de casa Rosângela Maria do Nascimento.

Projeto distribui canja aos moradores de Jardim Monte Verde, em Jaboatão dos Guararapes — Foto: Reprodução/TV Globo

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